Alan Moore's on writing for Comics (sobre escrever para os quadrinhos - 2ª parte) parte 1 • parte 2 • parte 3 Supondo que você agora tem alguma noção sobre as reais possibilidades à sua disposição para narrar uma história, nesta etapa passaremos às considerações sobre os elementos próprios do trabalho de ficção. Por conveniência, os principais elementos nesta categoria podem ser divididos em três setores básicos: composição dos personagens, composição do ambiente e, finalmente, trama. Comecemos com o ambiente, pois a natureza da trama e as motivações dos personagens serão amplamente determinadas pelo mundo em que eles vivem. A tarefa do escritor, independente dele estar tentando descrever uma colônia em Netuno no ano de 3020 ou a vida em Londres por volta de 1890, é invocar uma sensação de realidade ambiental da forma mais completa e fluente possível. A maneira mais óbvia de se fazer isso é explicar as bases de seu mundo aos leitores através de legendas com texto ou diálogos expositivos, sendo este também, a meu ver, o método mais artificial e menos eficiente. Acontece que é também o método mais fácil, sendo por isso aplicado com tanta freqüência. Inversamente, a melhor maneira de dar aos seus leitores uma sensação de espaço e uma localização temporal e geográfica é, na minha opinião, a mais difícil, ao mesmo tempo que é a mais compensadora a longo prazo. A melhor maneira, me parece, é primeiro considerar o ambiente com que você está trabalhando como um todo, em detalhe, antes mesmo de pô-lo no papel. Andes de escrever "V DE VINGANÇA", por exemplo, eu reuni uma enorme quantidade de informações sobre aquele mundo e seus habitantes, muitos dos quais nunca serão mostrados nos quadrinhos pela simples razão de não constituírem material essencial para o conhecimento dos leitores e que provavelmente não haveria lugar para encaixa-los na historia inteira. Não é importante. O que é importante é que o roteirista deve ter um quadro claro do mundo imaginário em todos os seus detalhes dentro da cabeça todo o tempo. Voltando à nossa colônia netuniana por um instante, vamos passar pelo tipo de detalhes que são essenciais à síntese de um quadro claro daquele mundo. Primeiro, como seres humanos conseguem sobreviver em Netuno? Quais são os problemas físicos que teriam de ser superados antes que as pessoas pudessem viver naquele planeta e o que soaria como método plausível para a superação das possíveis dificuldades? O fato de Netuno ser constituído massivamente de gases deveria implicar numa quantidade de ambientes artificiais flutuantes interligados talvez por uma rede telecinética doméstica? Como o sistema telecinético funcionaria? Qual o efeito que a enorme gravidade no planeta tem sobre as vidas e a psicologia dos indivíduos que vivem lá? Qual o propósito de uma colônia em Netuno? É, por acaso, a exploração de minérios para serem consumidos na Terra? Qual é a situação política da Terra prevalecente neste ponto da história e como ela afeta a vida dos colonizadores? Há quanto tempo eles estão lá? A tempo suficiente para terem desenvolvido uma cultura própria? Se assim for, que tipo de arte produzem e que tipo de música compõem? Sua arte é opressiva e claustrofóbica como resultado das pressões de viver num ambiente tão fechado, ou as peças de arte e a música são cheias de luz e espaço para compensar o ambiente inibidor que os colonizadores são forcados a suportar? Como é mantido a lei na colônia netuniana? Que tipo de problemas sociais existem? Os terráqueos são a única espécie que conseguiu colonizar o planeta ou há outras raças alienígenas envolvidas no projeto de colonização? A humanidade encontrou de fato alguma raça alienígena em todas as décadas que se seguiram até a época em que se desenrola a nossa história ou ainda está sozinha no universo – até onde ela sabe? Como funciona a economia neste lugar? Como as pessoas se vestem? Como as família estão estruturadas? Este foi o processo que me submeti quando compus o mundo de WARPSMITHS e a maneira como sua cultura era estruturada. Atravessei o mesmo processo com HALO JONES e V DE VINGANÇA. A questão é que, uma vez que você elaborou o mundo em todos os seus detalhes você será capaz de falar dele com confiança completa de modo trivial sem marretar a cabeça do leitor com excesso de informações. Howard Chaykin procedeu assim com AMERICAN FLAGG. Ele elaborou os nomes das marcas de produtos e shows de TV, as tendências da moda e os problemas políticos para então somente seguir com a história e deixar os leitores captarem o clima geral no seu transcorrer. No primeiro episódio de American Flagg, vemos os flashes de shows de TV e anúncios que nos dão muito mais impressões genuínas do modo como os personagens pensam e vivem que uma enorme quantidade de legendas poderia passar. Além disso, há a vantagem de parecer muito mais natural, pois segue quase exatamente a maneira como captamos uma cultura estrangeira quando viajamos para o exterior. Nós não entendemos necessariamente tudo da cultura de cara, mas, gradualmente; à medida que captamos os detalhes do ambiente, atingimos uma consciência completa do conjunto, sua atmosfera única e os elementos sociais que o modelam. Quando um escritor manipula o ambiente desta maneira, não temos a sensação de estarmos recebendo uma gama de detalhes irrelevantes prensados contra nós apenas por que o dito cujo quer que saibamos o quão meticuloso ele tem sido na construção da história. Ao invés disso, temos a sensação de um mundo concebido de forma completa e detalhada realisticamente, onde os fatos transcorrem normalmente, mesmo que a história não esteja focalizada neles. Um mundo para situar a nossa história que esteja estruturado logicamente interrompe qualquer desconfiança do leitor e acaba arrastando-o àquele estado de hipnose que eu mencionei no meu artigo anterior. Enquanto os comentários anteriores se referem especificamente a ambientes imaginários, se você está se atendo a um ambiente real, você precisa ser meticuloso ao extremo na sua concepção do mundo que você está expondo. Quando comecei a escrever o MONSTRO DO PÂNTANO, eu li a respeito da Loiusiana e seus rios e afluentes o tanto quanto pude e consegui reunir conhecimentos instrumentais sobre sua flora e fauna e sua constituição geral. Eu sei, por exemplo, o tipo de líquido os jacintos sintetizam num lençol grosso na superfície da água – que faz com que este lençol pareça terra firme e permite que estes cresçam tão depressa que, algumas vezes no passado, tivessem de ser queimados para que não tomassem todo o pântano. Aprendi que os jacarés comem pedras achando que são tartarugas e depois não conseguem fazer sua digestão. É por isso que os jacarés tem aquele humor de merda. Sei também que os cajuns (descendentes dos colonizadores franceses) são chamados de "coonass" pelos não-cajuns como uma demonstração de discriminação racial, mas que os cajuns transformaram o termo insultoso num elogio, criando enormes adesivos onde se lê "ORGULHO DE SER COONAS". Sei que o nome cajun mais popular é Bordeaux. Se desejo um nome que soe natural para um cidadão comum na Louisiana, procuro no meu catálogo telefônico de Houma até encontrar um nome que me salte à vista: Hatie Duplantis pode ser um bom nome. Assim como Jody Hebert. Se eu quiser saber qual a estrada um personagem teria de tomar para ir de Houma à Alexandria (NT: dentro dos Estados Unidos, não no Egito. Afinal de contas, não existe PARIS, TEXAS?), procuro num mapa rodoviário dos Estados Unidos. São os pequenos detalhes como estes que fazem com que a sua descrição de um lugar específico seja realística e convincente. Eles podem ser pingados casualmente nos quadrinhos, sem alarde, e serão provavelmente mais convincentes na proporção em que forem triviais e irrelevantes. Naturalmente, ao considerarmos um ambiente, não é apenas a realidade física do local que deve ser compreendida, mas também a sua atmosfera – a realidade emocional. Pegue a Gotham City do Batman, por exemplo. Ela é apenas uma outra versão de Nova Iorque? É um enorme parque de diversões para crianças super-desenvolvidas, cheio de máquinas de escrever e Jack-in-the-box gigantes, povoada por criaturas como o bat-cachorro e duende morcego (bat-mirim, no desenho animado) e bufões extremamente malévolos como o Pingüim e o Coringa? É uma paisagem urbana paranóica e sinistra derivada de Fritz Lang, aterrorizada por tipos deformados e monstros, cujo único defensor é um guardião frio e sem remorsos que se veste de morcego? O modo que você escolhe para tratar o meio que vai alterar todo o caráter da história e é tão importante quanto o efeito final como uma compreensão dos fatores físicos reais que compõem o mundo sobre o qual você está escrevendo. A abordagem da composição de personagens em quadrinhos têm evoluído, como tudo mais nesta desgraça de meio atrasado, num ritmo dolorosamente lento nestes últimos trinta ou quarenta anos. A abordagem mais antiga vista em quadrinhos é aquela em que a composição dos personagens é maniqueísta, constituída geralmente do "aquele lá é bom" e "aquele lá é mal". Para os quadrinhos e o mundo comparativamente mais simples que eles se dispunham a entreter, isto era perfeitamente adequado. Lá pelo começo dos anos 60, entretanto, os tempos mudaram, e uma nova abordagem para a composição de personagens se fez necessária. Assim, Stan Lee criou uma nova composição de personagens de duas dimensões: "aquele lá é bom, mas é azarado com as garotas" ou "aquele lá é mal, mas poderia ajudar os Vingadores se um certo número de leitores escrevessem pedindo que ele fizesse isso". De novo, na época, isto foi uma inovação de tirar o fôlego, e pareceu um modo perfeitamente válido de se fazer histórias em quadrinhos que tivessem importância no contexto em que estavam sendo feitas. Os progressos desde então têm sido mínimos. Num esforço de acompanhar os tempos, os personagens propriamente ditos tornaram-se mais extremados, embrutecidos, bizarros ou neuróticos, mas a maneira básica de retratá-los mudou muito pouco. Ainda são personagens cuidadosamente definidos sob os dois ângulos, talvez com uma pitada de embromação verbal jogada aqui e ali para animá-los. Creio que parte da parte da culpa por este estado de coisas se deve à grande adesão sem questionamentos ao bom e velho ditado: "se você não puder resumir um personagem em quinze palavras ele não é um bom personagem". Quer dizer, quem é que disse isso? Por outro lado, certamente é possível definir o personagem e as motivações do Capitão Ahab numa frase bem elaborada como um "louco aleijado que alimenta rancor contra uma baleia". Herman Melville, obviamente, achou melhor se aprofundar um pouquinho mais no serviço. Parece-me que o melhor que se quis dizer realmente com aquela frase um tanto quanto falsa é algo do tipo "se um personagem não puder se resumido em quinze palavras ele não deve ser vendável a um público jovem, que presumivelmente têm atenção limitada e breves surtos de inteligência". Estas leis não escritas e esta sabedoria convencional são realmente a maldição da indústria, ou, pelo menos, uma de suas maldições. O problema é que elas tendem a envolver as pessoas numa certa maneira de refletir sobre as coisas. É óbvio que se o nosso personagem precisa ser descrito em quinze palavras, você se inclinará em direção a um personagem de quinze palavras – algo como "um tira cínico cujos pais foram assassinados, o que o compele a empreender uma guerra secreta contra o crime". Ao mesmo tempo em que isto possa representar os primórdios de um personagem elaborável, a tendência é de que o roteirista não enxergue muito além do esqueleto de quinze palavras. Uma ou duas vezes a cada episódio ele fará com que o personagem diga alguma coisa cínica e recorde-se de sua carreira como policial. Além disso, um dos personagens secundários provavelmente dirá, a certa altura, "Francamente, você é tão cínico!!!". Ao que nosso herói responderá: "O que você queria? Lembre-se, eu já fui tira!". Se o roteirista for relativamente habilidoso, pequenas sutilezas de personalidade serão introduzidas no esquema... é revelado, por exemplo, que nosso ex-tira cínico também coleciona selos. Estranhamente, isto geralmente se ligará de algum jeito à premissa inicial de quinze palavras: "Bem, aqui estou, com meu álbum aberto na minha frente, colando selos. Eu não estaria fazendo isso se ainda fosse um tira. No duro, quanto mais eu penso nisso, mais cínico eu fico". Se o escritor for ousado, sentirá a necessidade de explorar o personagem numa profundidade maior. A questão é que não importa quão profunda venha a ser a alma do personagem; ela ainda terá quinze palavras de largura. Talvez o escritor dedique todo um ensaio ao personagem, tentando desvendar os mistérios de seu passado através de um flashback ou algo assim. A história terá um ponto central e um tema, tal e qual devem ter as histórias, girando provavelmente em torno de "O que foi mesmo que tornou este personagem tão cínico?". Ao longo das vinte e tantas páginas atravessaremos os primeiros anos de formação do personagem até alcançarmos o evento apocalíptico, bem no auge da história: "Eu estava sentado lá, apenas vendo meu álbum de selos e a coleção sem preço que tinha consumido anos da minha vida para ser composta, quando, de repente, percebi que , uma vez que o burro aqui havia empastelado aqueles selos com cola e os grudado direto no álbum, ficava impossível averiguar seu valor – eles já não possuíam valor algum. Então, eu compreendi que o universo não passava de uma piada cruel sobre a humanidade e que a vida não tinha sentido. Tornei-me cínico sobre a existência humana e pude ver que a estupidez intrínseca a todo esforço humano. Nesta altura, decidi me integrar à força policial" O ponto é que se as premissas iniciais de trabalho sobre as quais os personagens são construídos são limitadas e progressivamente rígidas, assim são também os próprios personagens. Se os roteiristas de quadrinhos conseguirem desenvolver os seu de composição de personagens até um nível onde se acompanha mudanças, talvez não fosse uma má idéia jogar fora alguns destes modelos gastos e encarar o problema de uma outra forma. Um ponto de partida lógico seria simplesmente sair e observar as pessoas. Considere a estrutura do caráter das pessoas à sua volta e também a sua própria personalidade com a maior frieza e objetividade que conseguir. Depois de pouco tempo você irá descobrir que quase ninguém pode ser descrito em quinze palavras, pelo menos não de uma maneira relevante e significativa. Você também notará que as pessoas moldam seu comportamento dependendo de com quem elas estejam conversando. Ficam com a voz diferente quando falam com seus pais e quando falam com seus colegas. Variam a atitude e disposição a cada hora. Farão com freqüência coisas que são, aparentemente, fora de sua personalidade. Observações simples e sutis como estas ajudam a equipar a mente criativa em direção a uma compreensão mais completa da composição da personalidade do que a que é oferecida por algumas breves generalizações sobre os fenômenos em geral. Vale a pena observar como as pessoas em outras áreas resolvem a questão da autenticidade humana. Um artista que quer aprender a retratar o corpo humano realisticamente provavelmente começará desenhando modelos vivos, observando como as pessoas param, se inclinam e se movimentam. A não ser que sejam incrivelmente burros, não tentarão captar a vida em suas figuras por meio de declarações pouco confiáveis como "figuras bonitas têm queixos salientes" ou algo assim. Estude a si próprio e às pessoas à sua volta com detalhes e tente não perder nada... Cada nó na voz e hesitação, cada nuance vaga na postura corporal ou gesto inconsciente das mãos. Ouça como falam e tente reproduzir suas vozes dentro de sua cabeça com todos os trejeitos e maneirismos. Mesmo que, muito provavelmente, você nunca tenha, em toda a sua carreira, sucesso em criar um personagem que seja totalmente verdadeiro, ao menos o esforço o trará mais perto deste objetivo e à compreensão dos problemas envolvidos. Outro instrumento útil para a composição de personagens pode ser extraída do teatro. Já mencionei antes que procuro adotar um método de abordagem na composição de personagens sempre que possível e que parece estar dando resultados. Como por exemplo de como eu abordaria um personagem por este método, eu citaria o modo de como Etrigan, o Demônio foi tratado nos nos 25, 26 e 27 da revista SWAMP THING (publicados pela Ed. Abril nos nos 27, 28 e 29 da revista SUPERAMIGOS). Elaborar a personalidade de Jason Blood não apresentou nenhuma dificuldade real, mas, uma vez que o Demônio representava e fato uma criatura do inferno, eu percebi que seus mecanismos interiores, sua psicologia, exigiam alguma reflexão. Eu sabia que ele seria um personagem baixo e atarracado, e depois saquei que ele seria muito intenso e inflexível, em conseqüência de passar a vida no inferno. Imaginei seu peso enorme, como se ele fosse de ferro maciço, e sua temperatura interna quase tão quente quanto o magma. Isto sugere um tipo de intensidade febril em suas ações e pensamentos de acordo com seu peso esmagador, resultado de sua densidade poderosa. Eu notei que nos esboços originais do John e do Steve (John Totteblen e Steve Bissete, os desenhistas da série) para sua proposta de tratamento do personagem, que as presas eram mais pronunciadas e a boca tinha uma leve fenda no lábio superior, como a dos felinos. Isto sugeria que a voz do personagem seria um pouco distorcida, a fala alterada pela deformação do lábio e pelos dentes. Munido de todas estas informações, eu fechei as cortinas do meu estúdio para que os vizinhos não se assustassem e chamassem o assistente social (provavelmente o equivalente inglês ao pessoal que encaminha as pessoas ao Juqueri) ou algo do gênero e tentei imaginar o que sentiria se fosse de fato o personagem. Imaginei o peso enorme de meu corpo, que agora estava muito menor, e vi que isto traria aos movimentos corporais um impulso terrível. Mantendo a natureza feroz sugerida pelas presas frontais, experimentei a sensação de me encurvar como o Quasímodo (o corcunda de Notre Dame) e mancar. Depois que senti que obtiver a sensação física do personagem, eu experimentei a voz, arreganhando os dentes e levantando o lábio superior até ficar difícil falar com clareza. Para fazer sentido, afinal pareceu necessário falar muito devagar, o que sugeriu um tipo de voz como a de um toca-discos desligando, muito gutural e grave. Finalmente, percebi que a voz exata que procurava era do tipo de voz como a de Charles Laughton no filme "Motim", eletronicamente distorcida. Uma vez escolhida a voz e a postura do personagem, você pode gravar na mente a impressão para evocá-la quando chegar a vez de pôr o personagem nos eixos e produzir diálogos realistas para ele. Uma conclusão que cheguei é que quase todos têm um número praticamente infinito de facetas em sua personalidade, mas enfatiza apenas parte delas na maior parte do tempo. Todos temos partes de nós mesmos que são cruéis, mal intencionadas, covardes, devassas, violentas, gananciosas... Se descrevermos um personagem com estas características, devemos nos preparar para olhar para regiões da nossa personalidade com as quais nos sentimos menos confortáveis de frente e fazer uma avaliação honesta do que vemos. Por outro lado, todos temos lados que são nobres, heróicos, desprendidos ou amorosos, admitamos ou não. Ao criar um personagem nobre, você deve antes tentar ver em você mesmo qualquer faísca de nobreza, mesmo que a possibilidade da existência dela pareça a mais improvável nos seus piores momentos. Quanto mais audacioso você ficar na composição de seus personagens, mais confiante ficará em enfrentar os problemas mais específicos e emaranhados do trabalho. Como um escritor branco, do sexo masculino e heterossexual praticante, por exemplo, como vou poder escrever sobre um homossexual, um negro ou uma mulher? Teoricamente, é claro, seria mais fácil escrever sobre pessoas de uma outra cor, gênero ou inclinação sexual do que sobre vegetais animados, whermeuschen ou criaturas do abismo. O ponto em que isto pode dar pra trás é que, se você compreender seu vegetal ambulante de modo equivocado, poderá ofender e magoar alguém que possa sentir-se mencionado. Lidar com a vasta multidão de diferentes tipos de personagens que você provavelmente criará no decorrer de sua carreira de roteirista é, ao mesmo tempo, absorvente e exigente. Num dia, você será o infanticida de Nova Iorque; no dia seguinte, uma criatura transparente de Altair 4; no outro, uma freira de setenta anos cuidando dos sobreviventes da segunda praga de Londres de 2237. Você será forçado a ponderar sobre pessoas que são política ou moralmente ofensivas para você e a tentar compreendê-las. Isto pode ser tanto pessoal quanto profissionalmente compensador, mas o resultado principal é que, ao escrever sobre os personagens no curso de seu trabalho, você chegará a um grau ajustado de cuidado e pretensão e ao grau exigido de autenticidade ou estilização com a completa noção dos princípios envolvidos. Lembre-se de que todos os envolvidos são personagens, mesmo que aquele que , por acaso, passeia pela cena mudo e sai calado, nunca mais reaparecendo. Mesmo que você não disponha de tempo e não possa gastar os tradicionais sete dias da semana nisso, você devia, pelo menos, Ter certeza de que pensou no assunto tanto quanto tenha sido necessário.parte 1 • parte 2 • parte 3