(por Masaoki Shindo)
Estes últimos meses além de voltar a baixar e assistir animes, acabei lendo algumas traduções não-oficiais de mangás que nunca vão chegar por aqui, porque sempre tendi a curtir histórias mais slice of life, com foco no dia a dia e no desenvolvimento natural dos personagens e seus relacionamentos. Sabe aquela história com polígonos amorosos impossíveis regados à hormônios em ebulição? Ou aquela trama de poderes quase infinitos lutando pelo destino do omnimultiverso. Então, podem até ser legais, mas não é o que usualmente procuro.
Nessas, caiu no meu radar RuriDragon (ルリドラゴン), um one-shot simpático de 45 páginas: [spoilers à frente!] certa manhã, Ruri Aoki, uma adolescente de quinze anos acorda com dois chifres que cresceram em sua testa durante o sono, descobre que o pai que ela não conhece é um dragão, tem de enfrentar um dia de aula com os dois enormes enfeites na testa e, por fim, é levada a conhecer o parente ausente.[fim dos spoilers]. Só isso, e eu curti, de verdade.
O jeitão levemente azedo de Ruri, de uma adolescente que tem uma vida normal e sem aviso se v enfiada numa situação esquisita à revelia, me lembrou Michiko, a personagem que estou escrevendo atualmente. Outro ponto que me cativou foi das pessoas em torno serem curiosas com o que está acontecendo, mas amistosas, respeitando o espaço pessoal da personagem.
Em tempos de cancelamento, superexposição, preconceitos e outras tensitudes na vida, para mim esse tipo de enredo é um lugar de conforto espiritual mais que requisitado.
Aí, soube o porque de uma história do ano retrasado ter aparecido para mim: tinham acabado de anunciar que ela seria serializada, isso é, o autor vai recontar tudo de novo, mas colocando mais detalhes, mudando algumas partes e desenvolvendo além. Legal, ainda mais quando você descobre que é um moleque de 22 anos (devia ser proibido gente nascida depois de 2000 fazer a gente se sentir velha...) que finalmente conseguiu emplacar uma série na Shonen Jump depois de quatro tentativas.
Mas, como dei a entender, sou velha e já tive minha cota de decepções com histórias :P E comecei a fazer a lista de “é legal, mas...” 1) histórias fechadas e séries são animais distintos. O que funciona em um formato nem sempre funfa no outro e vice-versa. Tem coisas que se esticar demais, desanda; tem coisa que se você explicar demais, quebra. 2) o perfil do autor parece não combinar com slice of life. Sim, é preconceito meu, mas vendo que as outras três tentativas de mangá dele eram nitidamente histórias de ação, fico pensando o quanto ele consegue sustentar a história sem se tornar repetitivo ou pior, repetir clichês bastante gastos nestas histórias de dia a dia. E ele ainda cheira a leite, alguns tipos de trama pedem vivência de quem tece :PP. 3) Estar na Shonen Jump. Talvez a revista semanal mais famosa do Japão, lar de séries como Dragon Ball, One Piece, JoJo, Naruto, Cavaleiros do Zodíaco... sentiram a aura do tipo de história que foi e é publicada lá? A menina-dragoa de 15 anos que só quer sossego pode acabar ficando mais cascuda para sobreviver à essa vizinhança e seu público-alvo.
Enfim, guardaria a Ruri original num potinho e não precisaria de mais nada dela pro resto da vida, mas agora estou acompanhando curiosa essa nova encarnação esticada da personagem. Meio entre esperançosa de sair algo legal, meio com a sensação de assistir um desastre em câmera lenta. E, graças aos milagres da internet, em tempo real: todo meio-dia de domingo (ou meia-noite de segunda (sunday!), no Japão) um capítulo novo do mangá é disponibilizado de forma legal por algum tempo na rede (6 semanas se não me falha, corre que o primeiro capítulo está para sumir!)(mas não muito: o capítulo 6 vai atrasar uma semana), em japonês e em inglês - link abaixo-, e minutos depois eu já estou lendo, talvez antes de vários fãs japoneses que já foram dormir.
E, em poucas horas aparecem traduções não-oficiais para outras línguas (tem pelo menos dois grupos colocando em seus sites o mangá em pt-br, ao que vi).
• [mais spoilers à frente!] No capítulo 1, o autor reconta em 55 páginas as 22 primeiras da versão beta. Até agora estou esperando o que acontece nas outras 23 =p Aqui a mãe de Ruri está um tico mais desenvolvida (menos largada :P). O seguinte me lembrou um dos capítulos iniciais de Miracleman (sim, minhas referências são estranhas), onde os personagens testam os limites do ser diferenciado que dá título à história. A vibe é essa, além de se construir mais os laços que ligam Ruri à mãe. Mas há um detalhe: dá-se a entender que há outros mestiços por aí e há pessoas normais que sabem.
É um passo que não curti o roteiro ter dado (personagem deixa de ser única, também implica conspirações, segredos etc), mas entendo que é uma forma de dar material posterior para trabalhar, e tentar explicar algumas coisas.
• Acho terceiro capítulo o mais divertido da série até aqui, onde a mãe (melhor personagem) faz a filha voltar à escola. As teorias dos colegas sobre a natureza de Ruri são divertidas e aqui a série poderia aprender um pouco com Hanging Out With a Gamer Girl, outro mangá slice of life que andei lendo (basicamente, no que quero exemplificar: a personagem Nanami tem uma fobia social intensa, mas tem a sorte de ter uma turma acolhedora). E também é dado um pouco a mais de explicação do comportamento do professor: se na versão beta ele simplesmente diz “ok” para a aluna ter chifres e dá a aula como se fosse normal, aqui ele realmente confirma que há outros como Ruri e que a mãe já havia informado da paternidade incomum dela para a escola.
• O tema “você tem de socializar, menina” volta à tona no capítulo 4. O cast de personagens aumenta, Ruri se percebe fazendo julgamentos apenas pela visual da pessoa (uma ironia visto que ela chifres) e o detalhe de uma presilha numa personagem me faz pensar se é uma pista do que vem pela frente ou se o autor tá só se divertindo. O capítulo mais recente, o 5, é meio que um puxadinho do anterior, com Ruri e suas amigas no Subway, depois uma partida de videogame com a mãe. O puro suco do slice of life, mas dá para ver que o autor ainda está tentando explicar coisas no comportamento das pessoas que sinceramente não precisava.[cabô spoilers]
No geral, Ruri tá menos azeda que no one shot, até o traço dela está com um nariz menos arrogante, por assim dizer ;p
# Veredicto: não sei se sobrevive, mas tem hype (se chegou até a mim, tem) e potencial. Se vingar, não duvidaria que a Panini colocaria nas bancas lá pros idos de 2025 =p
# Bom: slice of life, personagens simpáticos, a mãe dela é a melhor personagem.
# Mau: o autor está preguiçoso no traço às vezes, especialmente nos capítulos mais recentes :P E apesar do autor estar brigando em manter um clima confortável na história, ela já não é mais aquela historinha fechada sobre auto-descoberta e aceitação.
site oficial, em inglês
Deixa eu dar duas infos de cunho pessoal aqui:
• Ano passado assisti Dragon Maid, um anime que por coincidência também é focado no dia a dia (inclusive, com cenas de muita sensibilidade)(alternadas à um humor esquisito e incômodo, pra não falar pior :P) e com dragões. Fiz até uma thread na época e namorada diz que é visível a passagem de “espectadora cética” à “fã (com ressalvas)”. Mas, até agora, não há muito mais em comum em ambas as obras.
• E comentei por alto sobre Hanging Out With a Gamer Girl, que deve ser um dos poucos mangás 100% coloridos que já li e um dos que menos “acontece algo”. Inclusive, estava bastante satisfatório o formato de pequenas histórias de dia a dia, sem compromisso além de fazer os personagens contracenarem. Agora, depois de cento e tantos capítulos com menos de meia dúzia de páginas o não-casal de adolescentes protagonistas esteja descobrindo que são um... e sei lá se isso era necessário.
Se calhar, resenho ambas assim que tiver um respiro^^
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