iv
Klara tinha uma vida normal, até que um dia o mundo ficou bobo. Pena que isto não quer dizer que Klara tenha vivido, ficado mais experiente e o mundo tenha se revelado menos colorido e cheio de novidades do que ela pensava que era quando criança. Antes fosse.
Regra número um de descer barrancos: não use saias. Agora era tarde, estava quente de manhã, ninguém avisou com antecedência que ela ia ser sequestrada. Para adiantar o serviço dos curiosos, Klara avisa que era branca.
Regra número dois: sandálias não prestam para isso. Ok, pego lá em baixo.
Regra número zero: nunca, mas nunca olhe para baixo. Nem precisa falar.
De palmo em palmo ela ia diminuindo a sua distância entre ela e o centro da terra, se afastando verticalmente da casa pseudo-cativeiro e cultivando pequenos machucados nos seus membros. Sorte dela que quando menina não era fresca, aprontava de tudo na visita ao sítio dos avós e tinha know-how de sobra em escalar e descer paredes de pedra. Era só uma questão de desenferrujar os anos e adaptar tudo à um corpo mais alto e mais maduro. O que faz uma menina que era o terror da rua se tornar uma adolescente com cara de pastel?
Adolescer era um renascimento, de repente seu corpo fala que tudo que você aprendeu desde o nascimento não era bem assim, que teria de jogar tudo fora e recomeçar do zero. É um processo traumático de renascimento em que alguns ficam bobos no processo, outros ficam cultivando a tristeza, outros ficam energéticos e Klara ficou escondida na multidão.
Mas não mais, Klara agora estava bem visível para quem estava em baixo do barranco, jogada no ar, uma mancha vermelha brotando no peito de sua camiseta azul, sua vida resignadamente saindo do corpo. Ela nunca tinha se perguntado como seu corpo lhe informaria uma bala perfurando seu coração. Viveria muito bem sem saber disso.
つづく