• O Doutrinador (de L. Cunha e G. Wainer) - Antes de você ler essa resenha, avisozinhos:
1) eu coloco aspas em "resenhas" no título do post, e não é a toa: não sou boa nessa arte e tem gente que faz análise de HQs (e livros) melhor que eu internet afora.
2) nunca neguei que tendo à esquerda no espectro político, talvez isso se reflita no que vou escrever a seguir. Ou não. Inclusive, me sigam no twitter pra ver o que é doutrinação de verdade :P (to brincando!! :P)
3) o texto abaixo é dado apenas com base apenas na HQ impressa, ignorando inclusive material que tem ou teve na internet - imagino que isso reflita o perfil de boa parte das pessoas que pegarão o gibi nas bancas.
O personagem caiu no meu radar nem lembro como, acho que com o anúncio do filme, que não vi (e só vi o trailler depois de ler o gibi) e não me interessei, tanto pelo herói quanto pelo filme, etc. Mas, sabe como sou, rata de banca, que viu as revistas bonitinhas e coloridinhas expostas junto dos personagens de sempre, a preço acessível e ninguém levando... - ô dó - decidi arriscar, mesmo com minha mente apitando alto "é uma cilada, Bino", em nome da arte resenhística :P
(Na verdade, algumas das minhas compras são na base da curiosidade mórbida mesmo)
Bom, vamos ao que interessa: eu esperava encontrar uma aventurona em que um personagem casca grossa (um Justiceiro genérico, ou algo vagamente inspirado na xerox da xerox de Batman: O Cavaleiro das Trevas, um decalque do Miller do século XX) bate/caça/mete medo/whatever em políticos e, de brinde, o autor tira uma de pessoas com orientação política liberal/esquerda, já que ouvi que o criador do Doutrinador é mais alinhado pro conservadorismo político ou algo assim.
Existem muitas boas histórias assim, entretenimento puro.
Ou, por causa do nome, um personagem com discurso de massas, que educa segundo uma linha ideológica, uma doutrina. Fazer bons enredos nessa linha mais é mais complicado, mas ainda é viável.
O que encontrei: das cinquenta e duas páginas do gibi, vinte e três são fotos e textos rasos sobre o filme ("eis a nossa Gotham", "o nosso Clarin Diário", "ela é nossa Robin"). O resto são sequências de "ação" onde o personagem tem uma luta mal elaborada com um guarda e, duas vezes, ele atira à distância (sniper) na cabeça de "políticos corruptos". Sem conflito, sem trama, quase que asséptico e higiênico, acrescido de diluídas pistas do passado do tal Doutrinador e do contexto que ele vive.
E há também páginas que são meio que "pin-ups" com o que parece ser o bordão do personagem: "eu sou a urgência das ruas". São de nove à doze páginas (por aí, algumas fazem parte de uma das sequências de "nosso herói fica longe, pega arma e mete chumbo certeiro", mas a história não depende delas e vice-versa) em que o protagonista faz pose e diz que representa e esteve com todas as parcelas do povo brasileiro (tem até o Doutrinador de cocar junto com índios e Doutrinador no sertão com touquinha imitando o estilo cangaceiro). Fica a impressão que tentam alavanca-lo como a nova máscara de "V de Vingança" ou "Casa de Papel" pra vender em alguma futura onda de protestos :P
Enfim, se tem o Doutrinador tem alguma doutrina, ela é derivada de algum joguinho de tiro, daqueles bem simprão, com boneco parado e fiapo de enredo, porque algo mais elaborado não cabe na memória do cartucho.
# Veredicto: Não chega a ser ruim, mas não consegue ser nada. Faltou gibi e qualquer historia tosca do Frank Castle faz melhor.
# Bom: a arte meio dura, mas boa, assim como as cores. E o acabamento dos gibis da Guará merecem estrelinhas na caderneta.
# Mau: fica a impressão que colocaram as historias originais de quando apresentaram o personagem, e esqueceram de colocar algo com trama.
52 páginas • R$ 12,90 • 2019 • veja no site da editora
O que mais me incomodou no potencial desse personagem é que ele parece ser dirigido pelo senso comum da opinião pública: geral diz que político X é corrupto e mal, então vamos abatê-lo e voltaremos a ser puros e limpos. O problema é que opinião pública é direcionável, especialmente quando se caça bode expiatório, então é quase certeza de quem vai ser abatido é o menos queridinho de quem grita mais alto na feira de opiniões.
Outra coisa: apesar que a fantasia usa muito o clichê de "matando o feiticeiro, tudo que é mal se desfaz", na vida real, quando político cai, quase certeza que quem o colocou lá vai colocar outro do mesmo naipe no lugar. Quem pôs os políticos nos seus cargos não foram os marcianos.
E nem to pondo em pauta aqui a discussão ética de "matar alguém para resolver problema", mas do personagem ir matar sem contexto ou sem conflito físico para justificar (narrativamente) o ato. Tem algo de doente em simplesmente eliminar uma vida de forma impessoal e sem tirar uma gota de suor ou sangue do "herói".
Em tempo: autor deu opinião política fim de semana passada (bem de acordo com o esperado) e editora se distanciou dela :P
Índice de resenhas e movimentações da minha estante:
...e estou vendendo parte da minha coleção, veja a lista aqui