A Balada de Halo Jones é uma HQ de Alan Moore que foi publicada no Brasil duas vezes, a primeira em 2003, pela Pandora Books e mais recentemente em 2015, pela Mythos.
Apesar da nova edição ser mais bonitona visualmente (tamanho maior, capa dura, etc), ela não contém as introduções para os três "livros" que compõem a HQ. Assim, gastei algumas horas de 2017 e 2018 fotografando o texto, passando as imagens por um processo de OCR e corrigindo os milhões de erros para colocar aqui no blog e deixar disponível para os fãs do barbudo que não estão afim de ter duas cópias do mesmo gibi só por causa de três textos :P
Mas antes, aproveitando a oportunidade, queria informar que corrigi as imagens quebradas do texto do Moore sobre escrever para quadrinhos - culpa do Photobucket, que tenta se matar de forma inglória - e dei o crédito da tradução à Fernando Aoki.
E, para encerrar, a tradução dos textos a seguir são de Cyntia Palmano, espero não estar procurando encrenca colocando estes textos na rede e clique aqui para ler uma resenha legal sobre essa história em quadrinhos, caso não conheça (e que, na minha opinião, vale a pena conhecer).
LIVRO UM
INTRODUÇÃO
por Alan Moore
Se eu tivesse que explicar da forma mais resumida possível o que faz com que uma série da revista 2000 AD se torne clássica, eu provavelmente usaria estas três palavras: valentões, violência e voracidade (com algumas piadas para equilibrar). Assim, é estranho que, quando me convidaram pela primeira vez para criar uma série nova para tão conceituada publicação, eu tenha optado por mulheres, espaçonaves e expedições de compra. Em minha defesa, só posso dizer que, na época, me parecia a coisa mais lógica a fazer.
Garanto que não fiz isso devido a algum desprezo pelos "Três V's" mencionados acima... Eu não fico atrás de ninguém em minha admiração pelo Juiz Dredd, Strontium Dog, Robo-Hunter e todo o resto. Sinto que a 2000 AD e o mundo em geral perderiam muito da graça se eles não existissem. Na verdade, acho que me senti motivado por um desejo de preencher algumas das lacunas deixadas entre essas séries... algo que complementasse o constante gosto de pólvora e chacinas e oferecesse ao leitor ou leitora algo para descansar o paladar entre os pratos mais suculentos.
Escrito numa época em que a maioria dos quadrinhos para garotas da IPC pareciam estar se dirigindo para aquela última grande festa no dormitório e, já que a 2000 AD tinha um numero maior de público do sexo feminino do que uma revista voltada para os garotos teria o direito de esperar, me parecia apropriado que a série deveria ser sobre mulheres. Não era minha intenção escrever sobre uma cabeça de vento bonitinha que desmaiasse o tempo todo e não conseguisse manter as roupas no corpo. Da mesma forma, eu não tinha inclinação alguma para dar ao mundo uma outra Vadia-Durona-Com-Uma-Arma-Desintegradora-E-Um-Cromossomo-Y-A-Mais. Eu queria apenas uma mulher normal, do tipo que você poderia encontrar na fila do caixa da lanchonete, mas transposta para o tipo de ambiente futurista que parecia um pré-requisito do que era, afinal de contas, um revista em quadrinhos para garotos, Assim nasceu A BALADA DE HALO JONES.
Tendo me decidido pela grande lista de ingredientes citados acima, escolher um artista para a série foi uma tarefa fácil: tinha que ser Ian Gibson. Havia seis razões para isso. Primeiro, ele estava disponível. Segundo, ele desenha mulheres muito bem. Terceiro, eu morria de vontade de trabalhar com ele novamente desde que colaboramos numa história curta da série Future Shocks. Quarto, ele tinha facilidade em desenhar mulheres. Quinto, por ele ter o tipo de imaginação fértil que seria de incalculável valor numa série com tantos e intrincados detalhes sociais como Halo Jones. Sexto, as mulheres dele são demais.
Com Ian a bordo, nós dois começamos a trabalhar nos aspectos de nossa personagem central e sua ambientação. Criamos o mundo, sua situação política, sua alimentação principal, seus padrões de linguagem e vestuário, com Ian contribuindo tanto quanto eu nos conceitos importantes e nos pequenos detalhes.Você sabia, por exemplo, que a estranha língua similar ao Esperanto usada em muitos sinais de rua no Aro como alternativa para o inglês, é uma língua real e funcional, criada por Ian alguns anos antes? Ou que foi Ian quem resolveu o problema de criar roupas práticas e de bom gosto para a raça alienígena principal da série, os Proxomens, que não têm braços?
Naturalmente, dada a sua natureza, a série não era mesmo para todo mundo. Muita gente achou que nossa decisão de jogar o leitor, sem preparação prévia, no meio de uma sociedade totalmente diferente e deixá-lo entender as coisas sozinho apenas criou confusão e irritação. E também, é claro, houve leitores que reclamaram por não ter acontecido muita coisa na série. Pessoalmente, acho que eles queriam dizer que muito pouca violência aconteceu na série. Mas eles estavam pagando 24 pences por semana e tinham todo o direito de se sentir entediados se quisessem. Resumindo: por muitas razões, nem todo mundo gostou de Halo Jones - Livro Um.
Mas nós gostamos. E o pessoal na 2000 AD gostou. E, se você pagou um bom dinheiro pelo volume que tem nas mãos, então há boas chances de que você também vai gostar. Para todos os outros, eu tenho apenas uma pergunta:
Qual o problema? Vocês não gostam de garotas?
LIVRO DOIS
INTRODUÇÃO
por Alan Moore
Embora os primeiros dez episódios de A BALADA DE HALO JONES tenham sido chamados de Livro Um, isso não significava, necessariamente, que haveria um Livro Dois. Embora chamar de "Livro" uma coleção de histórias interrelacionadas lhe dê uma certa respeitabilidade literária, também devemos nos lembrar que manter tudo como histórias completas e autocontidas, de dez episódios cada, faz com que seja muito mais fácil abandonar a serie como uma batata radioativa se, de repente, descobrirmos que os leitores não estão interessados em mais dez episódios de garotas futuristas indo às compras. Colocando nesses termos, faltou muito pouco para que A Balada de Halo Jones - Livro Dois não viesse a existir.
A reação dos leitores ao primeiro Livro não foi das melhores. Os leitores mais jovens mais ficaram entediados pela falta de ação e violência ou confusos pelo fato de todos os personagens usarem termos ininteligíveis sem haver nada parecido como um glossário por perto. Os leitores mais velhos, aparentemente, não tinham visto o bastante da serie tudo para formar uma opinião. Como eu disse, demo duvido que os escritórios da 2000 AD estivessem sendo esmagados por uma avalanche de cartas exigindo o retorno da serie, mas nos tínhamos algumas outras qualidades que compensavam por isso. Primeiro, eu e Ian estávamos empolgados com a serie e, para credito deles, os editores da 2000 AD sabiam que a melhor chance de tirar um trabalho de primeira de uma equipe criativa é dar-lhes algo polo qual estão empolgados. Segundo, os próprios editores gostaram da serie e estavam ansiosos para saber coma tudo terminaria. Assim, o Livro Dois recebeu ordens de seguir em frente com algumas condições.
Uma das condições principais era de que o segundo livro deveria, se possível, ter mais ação Isso apresentava alguns problemas porque eu sabia de antemão que todos os dez episódios se passariam dentro de uma nave de cruzeiro numa viagem de doze meses através do espaço sideral. Além disso, eu não queria transformar Halo numa personagem de ação e roubar da série aquilo que eu achava ser sua melhor qualidade... no caso, a completa normalidade de sua protagonista. Por sorte, com o uso moderado de um grupo de terroristas e de um cão-robô um tanto psicótico, fui capaz de colocar a quantidade desejada de violência na narrativa sem ter que fazer nada violento com os próprios personagens.
A segunda exigência era de quo a serie deveria ser mais compreensível e deveríamos evitar as gírias futuristas que havíamos indo excessivamente no primeiro livro. Essa foi relativamente fácil de seguir sem ferir a lógica interna da serie... No Aro, Halo e suas amigas usavam a gíria do lugar. Agora que ela estava no espaço, entre pessoas diferentes, parecia lógico que ela passasse a usar uma linguagem mais convencional. Problema resolvido.
Mesmo com as pequenas alterações listadas acima, penso que Ian e eu começamos o segundo livro com um certo temor, embora, enquanto a serie se desenvolvia e nós descobríamos, para nosso prazer, que estava indo tudo bem, as preocupações desapareceram e demos conta do desafio. Ian, em particular, mesmo com a quantidade limitada de cenários oferecidos por uma nave espacial de cruzeiro, conseguiu fazer um trabalho espetacular. As sequencias em que Halo se diverte com Kit, o timoneiro da Clara Pandy, permanecem entre as minhas favoritas na série toda.
E também como a reação dos leitores ao segundo livro pareceu ser mais favorável, a possibilidade de um terceiro volume se tornou um pouco mais tangível e Ian e eu tivemos cuidado de continuar relembrando aos leitores o quadro galático que havíamos colocado discretamente como do pano de fundo do primeiro livro para que tivéssemos algo com que trabalhar caso a possibilidade de um outro volume viesse a existir. Assim, em algumas conversas da festa, ouvimos pessoas discutindo a situação em Tarântula, sendo que a guerra nesta nebulosa já havia sido mencionada antes nos pronunciamentos dos terroristas. Começamos a entender qual o papel do Sindicato dos Timoneiros Cetaceanos no sistema político da Terra e ouvimos falar, pela primeira vez, sobre os trabalhadores rudes e idênticos chamados Stabs. Embora quiséssemos mais aventura e emoção neste volume, não queríamos que esses elementos nos impedissem de mostrar o mundo que havíamos criado. Embora eu me recorde de que fiquei preocupado com isso a época, analisando o volume como uma obra completa, acho que nos saímos bem. Os leitores pareciam pensar assim também e, de repente, o futuro do volume três parecia estar assegurado.
Se eu tivesse de apontar um motivo para o sucesso do Livro Dois, acho que indicaria um único episódio, no caso "Eu Nunca Esquecerei Qual-Era-o-Nome?" A reação a esta história de uma não-entidade terminal foi surpreendente em sua intensidade e acho que, talvez, foi graças a este episódio que conseguimos finalmente trazer os leitores para o nosso lado. Assim, acho que é justo que este volume seja dedicado àquele personagem inesquecível que possibilitou a continuidade da serie, a primeira e única... hã... O premiado... hm... Aquela personagem carismática e tão celebrada, a...
Diabos! Por um momento eu quase me lembrei.
LIVRO TRÊS
INTRODUÇÃO
por Alan Moore
Este é o capítulo mais longo na história de Halo Jones e, também, o último. Na minha opinião é também o melhor.
Existem algumas razões para esta opinião confessamente subjetiva. Uma das principais foi o fantástico trabalho visual de meu amigo Gibson. Sinto que, nesta série de quinze capítulos, ele criou um pequeno milagre ao conseguir ultrapassar os elevados padrões que já havia alcançado na produção dos dois primeiros volumes. É impressionante a visualização de Moab, da Guerra de Ratos e dos próprios personagens,sem falar no seu perfeito domínio de narrativa e composição. Não é preciso que eu diga isso, é claro. Mesmo o mais breve vislumbre da habilidade e personalidade com as quais os vários personagens e cenários que formam esta história foram criados devem demonstrar isso de maneira mais eloqüente.
O outro fato que me leva a colocar este terceiro livro no topo da pilha é que, desta vez, eu fiquei feliz com eu roteiro. Sinto que, possivelmente devido ao assunto retratado, fui capaz de tratar a série de maneira mais brutal e extrema do que eu jamais me permitira antes. Há uma certa franqueza na retratação da violência e sexualidade que eu ainda não havia tentado nas páginas da 2000AD antes do advento deste volume. Ainda há muitas coisas erradas com ele, naturalmente, mas, pelo menos até o momento, os prós parecem sobrepujar os contras.
Além da minha satisfação com a qualidade do trabalho mostrado aqui, suponho também que eu esteja bastante satisfeito com a história. Finalmente fomos capazes de resolver uma quantidade de temas subliminares de background que tivemos cuidado de incluir desde as primeiras páginas do Livro Um. A guerra na Nebulosa de Tarântula, citada freqüentemente nos dois volumes anteriores, aqui toma o centro da ação e é mostrada em tantos detalhes quanto o espaço e o tempo permitiram. O personagem do General Luiz Cannibal, ao qual são feitas referências ocasionais, aqui é apresentado em carne e osso, E também vemos o desfecho do relacionamento entre Halo e Toy Molto, que vinha se desenvolvendo desde o inicio do Livro Dois.
Quanto ao motivo pelo qual finalmente decidimos apresentar a história dessa forma, é uma questão ligeiramente mais complexa. O tamanho do livro foi resultado de um compromisso entre eu, Ian, a 2000AD e o editor Steve McManus. Ian e Steve queriam que eu criasse um roteiro de vinte capítulos, para que Ian pudesse desenvolver bastante seu trabalho, sem paradas bruscas após apenas dez episódios. Da minha parte, já que eu não tinha nem mesmo certeza de que conseguiria entregar dez capítulos de roteiro com a quantidade de trabalho que tinha na época, imaginava que entregar vinte episódios seria praticamente impossível e, assim, acabei aceitando um elegante compromisso de fazer o livro em quinze capítulos. De muitas maneiras, embora isso tenha me deixado com alguns problemas assustadores ligados aos meus prazos de entrega, fico feliz por ter concordado. A extensão adicional do livro permitiu que fizéssemos as cenas individuais no ritmo correto e que contássemos a história com espaço suficiente para incluir uma boa dose de ação e tanta caracterização quanto necessária para criar profundidade e impacto.
Com relação à questão retratada, suponho que a idéia de fazer uma história de guerra foi simplesmente uma extensão do papel original de Halo Jones na 2000AD como eu a percebia: mostrar uma visão do futuro, e das pessoas que o habitavam, diferente do que era mostrado nas séries mais voltadas para a ação que existiam na revista. Guerra futurista sempre foi um dos tópicos mais populares entre os leitores da 2000AD e aquele me parecia ser o momento ideal para uma história que mostrasse o conceito bélico no futuro de um ângulo ligeiramente diferente do tradicional. Para começar, percebi que uma guerra futurista causaria tantos danos físicos e psicológicos quanto uma guerra no presente, mas com uma capacidade maior para criar horrores. Me parecia suspeito que na maioria das séries em quadrinhos que eu já vira sobre guerra futurista, nenhuma chegava perto de mostrar a desumanidade e miséria criada por Pat Mills e Joe Colquhoun no ótimo Charley's War, que narrava os eventos de uma disputa comparativamente pouco sofisticada que aconteceu há mais de setenta anos. Já que a guerra parece se tornar cada vez mais horrível a cada geração, por que será que somos capazes de mostrar seu impacto verdadeiro e incômodo apenas quando descrevemos conflitos do passado?
Na tentativa de resolver esse problema ficou claro que a prioridade seria criar algo forte e diferente o bastante para impressionar os indiferentes leitores acostumados aos raios laser e chacinas da maioria dos conflitos interestelares apresentados nas histórias em quadrinhos. O exemplo mais óbvio foi a decisão de fazer com que noventa e nove per cento dos combatentes fossem do sexo feminino. Considerado por alguns como um tipo de declaração feminista ambígua, isso foi decidido, principalmente, de olho na sua capacidade de chocar. Embora seja óbvio que não há diferença qualitativa entre a vida de um homem perdida na guerra ou a de uma mulher, imaginei que leitores para quem a visão de homens corajosos sendo mortos em batalha já se tornara lugar comum, pudessem ser mais afetados pelo prospecto de mulheres assustadas se transformando em terriveis poças vermelhas, simplesmente devido à sua comparativa raridade no mercado dos quadrinhos de guerra. Outro artifício foi a tentativa de mostrar guerra em termos morais mais ambíguos do que o normal. Desde o início, lendo nas entrelinhas, é fácil notar que a Terra é o agressor no conflito em Tarântula. Como acontece com deprimente regularidade atualmente, descobrimos que estamos lutando do lado errado. Além disso, os efeitos psicológicos da guerra sobre os combatentes são, espero, mostrado de forma a acabar com a idéia de que a guerra traz morte ou glória, com nada mais no meio. Numa época em que um veterano do Vietnã infeliz pode entrar num McDonald's e atirar friamente com uma metralhadora contra a maioria dos clientes sem nenhuma razão clara, tais noções românticas e antiquadas precisam ser revistas com urgência.
De qualquer forma, esse foi um pouco do processo criativo envolvido na criação da última aventura de Halo Jones. Se este é mesmo último livro, ainda veremos. Embora, no momento, não haja planos para continuar a série, por causa de considerações e circunstâcias externas, acho justo dizer que, caso essa situação se altere, tanto Ian quanto eu ficaríamos felizes em reassumir A BALADA DE HALO JONES e continuar a relatar a história de uma personagem da qual passamos a gosta muito nos dois anos em que trabalhamos com ela. Sabem como é... saímos com ela alguma vezes e, se ela ainda estiver disponível, um dia podemos sair de novo.
Quem sabe? Talvez até deixemos você vir junto.
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