Esse é um post que escrevi pra Panela muuuito tempo atrás. Achei ele esses dias e vou colocar aqui pra fechar o dia... (modéstia à parte o texto é muito bacana, recomendo)
Palavras de Gandalf, o mago, enquanto explicava para o Pippin a história das palantíri:
"Perigosos para todos nós são os instrumentos de uma arte mais profunda que a possuída por nós mesmos."
Hoje eu peguei de volta o Senhor dos Anéis, que tava emprestado pra uma ex-colega de trabalho, e a primeira coisa que fiz quando sentei no circular foi, claro, abrir o livro numa página aleatória e começar a ler. Essa foi a primeira frase que me apareceu.
Isso me fez pensar que isso se aplica muito bem hoje em dia. Por exemplo, os computadores. Quantas pessoas podem realmente dizer que "possuem a arte" dos computadores, isto é, que realmente compreendem como eles funcionam? Sendo ridiculamente otimista, quantas pessoas podemos dizer que sequer fazem *alguma* idéia de como funciona um computador?
Me lembrei então de alguns casos bizarros que só ocorrem em suporte, como os clássicos "meu micro não funciona!!" (aí você vai lá, liga o micro na tomada e é chamado de gênio), ou "será que fazer sexo virtual transmite AIDS?".
Coisas como os computadores e a Internet facilitam tanto o acesso à informação, mas *tanto*, que praticamente qualquer pessoa com um acesso mínimo a esses recursos pode ter acesso à informação que quiser (mais um efeito de se aglomerar 6 bilhões de pessoas numa pedra de 6400 km de raio...). Na maioria dos casos, essa pessoa não tem base suficiente pra discernir corretamente a informação que recebe, e acaba tendo uma interpretação errada sobre a coisa. Aí é que vem: de que maneira isso pode ser perigoso?
Não sei qual a resposta pra essa pergunta; sinceramente, não acho que alguém tenha, simplesmente porque ninguém pode conhecer tudo. Por isso, sempre vão haver interpretações erradas, informações mal-divulgadas, enfim, o erro vai se disseminar. Einstein já disse uma vez que "o mais incompreensível a respeito do Universo é que tenhamos a capacidade de ter alguma compreensão a respeito dele". Eu nunca achei essa frase tão verdadeira, já que, de fato, cada ramo do conhecimento tem um conjunto muito pequeno de pessoas que realmente podem dizer que compreendem. O que significa que, fazendo frente a esse pequeno grupo, está o resto da população do mundo, com suas interpretações simplistas e mundanas a respeito dos fatos.
Bem, Paul Feyerabend já disse que, na medida que uma teoria explica a maneira como o mundo funciona de maneira satisfatória, essa teoria é válida. Eu não sou particularmente fã dessa idéia, mas ela tem um mérito: ela faz o mundo parecer real e factível para a maioria das pessoas; aquelas que, segundo Galileu, "a quem Deus dispensou de buscar a verdade". E, de fato, para essas pessoas, a sua "teoria" explica o mundo e para elas isso é suficiente.
Para os poucos a quem isso não basta, resta o longo e árduo caminho da busca da verdade através da ciência. O fato é que, quanto mais alguém se aprofunda num campo do conhecimento, menos certezas essa pessoa tem, e mais perguntas ela se vê obrigada a fazer. "Tudo que sei é que nada sei", já dizia Sócrates. Bem, pelo menos na Fïsica é assim.
Então, por quê diabos alguém troca uma vida de certezas pelo "caminho da dúvida"?
A única resposta que me vem à mente é que, para alguém que escolhe esse caminho, não há vida de certezas: elas são encaradas como mentiras, uma vez que escondem a verdadeira natureza das coisas. É uma premissa arrogante, pra não falar idealista e até mesmo ingênua, mas um caminho de dúvidas é um caminho de questões a serem respondidas, e há mais sentido em buscar as respostas do que em aceitar passivamente as coisas como elas *parecem* ser.
Retomando a frase do Gandalf, então, eu me pergunto: de que maneira tais instrumentos podem ser perigosos, então?
Bem, eles podem ser perigosos porque explicam o mundo de uma certa maneira; essa explicação nem sempre está "ao alcance de todos", porque requer conhecimento prévio a respeito de outras coisas, e/ou uma mudança conceitual altamente significativa. Pessoas que vêem o mundo de uma maneira mais simples (mundana?), quando confrontadas com uma nova maneira de ver as coisas, enfrentam uma barreira que é sempre difícil de se transpor - mudar a maneira de se ver as coisas é uma mudança radical.
Falando de maneira menos FFLCHenta e mais realista, acho que de certo modo isso se aplica a coisas como auto-medicação. Quem realmente conhece as substâncias existentes num remédio? Quem pode garantir que aquela aspirinazinha inofensiva que a pessoa tomou pra parar a dor de cabeça não vai causar um revertério?
Gandalf usa essa frase num contexto bem diferente, mas acho que o caso é o mesmo, de qualquer maneira. Saruman tentou tomar uma aspirina e teve um revertério.
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