Não sei como é para os outros, mas inspiração pra mim é um treco chato. Ela vem assim, sem avisar abrindo uma portinha na minha cabeça através usando uma linha de pensamento qualquer, e rapidinho toma conta da casa como se fosse dela.
Essa parte é legal, faço tudo num pique só. Por dois-três dias, meus esforços estão direcionados pra trazer ao mundo real o que a ocupante da casa dita. Planejo, procuro instrumentos, referências, faço rascunhos e executo. É bom isso, vale a satisfação :) Tira um tanto o gosto da boca, o gosto de que estou perdendo tempo, ou estão perdendo o meu tempo enquanto espero acordarem.
Mas dura pouco. Em cerca de meia semana a volúvel da dona Inspiração cai fora, só deixando seus ecos dentro da casa vazia. Ainda tento fazer algo pela inércia deixada, e por que não gosto de deixar nada pela metade. Mas não sai nada bom, ou ao menos, não sai como estava no começo.
A reforma da geladeira em que criei os post-it de tamanhos diferentes foi algo assim, de sopetão, mas perdi o pique pra fazer todo o planejado (tem mais pequenas coisas pra serem implantadas que não foram por que faltou inspiração ^^) e o texto a seguir tá seguindo o mesmo caminho:
CAPÍTULO 1
E ela abriu o livro.
"Gostaria mesmo que a maior preocupação de minhas manhãs fosse suspirar olhando a foto do garoto tonto que amo e não liga pra mim"
Klara acorda e abre os olhos abruptamente, com estas palavras ecoando em sua cabeça, mas os fecha no instante seguinte ofuscada pela luz forte do meio-dia. Estava deitada no teto de um velho edifício, braços abertos, o rosto estava voltado pro céu até despertar. Com os olhos semicerrados, levanta devagar, como se há décadas estivesse lá, secando ao sol.
Fica alguns minutos agachada, escondendo a cara da luz e soltando sonoros bocejos que quebram a monotonia do barulho de vento. Por fim, decide levantar de vez e decide encarar a paisagem: uma grande cidade, vazia. Edifícios até onde se perde a vista, ruas desertas. E sol, muito sol num céu azul sem nuvens.
De algum lugar o vento trouxe a areia que recobre as calçadas e asfaltos, pegada após pegada ela vai recolhendo pistas de onde está. Está tudo praticamente intacto, não há um sinal de vida sequer, os restos de árvores que viu eram troncos mortos e não havia sinal de grama nos velhos canteiros arenosos. Meia hora atrás, quando desceu a escadaria do edifício onde acordara, desviou seus pés descalços de um esqueleto de rato, seco há muito. Está tudo morto. Será um sonho?
Vozes.
Lá longe.
Klara corre na direção.
"Esta é a parte boa da minha história: nós estamos sempre juntos..."
Passo a passo na Cidade Morta. Dois jovens pares de pés calçados em sandálias, que sustentam corpos cobertos por largas vestes de algodão cru com detalhes em amarelo. Ele, Carlos, branco, cabelos loiros. Ela, Iza, negra, puxava a conversa dos dois.
- Carlos?
- Sim?
- Viajando de novo, é?
- É, não, só vendo os prédios.
- "É" ou "não"?
Carlos olha para Iza, um olhar distante como se ele estivesse recém-saído de um sono bom. E era a amiga quem povoava seus sonhos bons.
- Eu desisto... e já estamos chegando, senhor distante. Desta vez, limpe os pés antes de entrar na biblioteca e... você tá ouvindo alguém correr?
Eles voltam o olhar pra direção do antigo teatro: uma jovem que eles nunca viram antes corre para eles, acenando. A princípio suas passadas são regulares - mesmo demonstrando o cansaço pelo esforço - mas aos poucos ela começa a cambalear, dá uma seqüência de passos em falso e finalmente cai.
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