"Ele sabia que ela não viria.
Embora ainda tivesse esperanças, dentro do seu intímo, ele sabia. Sempre era assim, e não seria a primeira vez que ele se veria assistindo a um filme sozinho. Várias vezes, pôde perceber a cara de espanto das atendentes do cinema. 'Só uma entrada?'. E as pessoas na sala, então? Ele parecia ter a obrigação de se sentar na pior cadeira da sala toda, simplesmente porque era uma cadeira separada de todas as demais. Uma, apenas uma. Ele, apenas ele. Se ele não estivesse acostumado, choraria da vergonha e dos olhares. Mas não, ele apenas dava risada. Pelo menos, até as luzes se apagarem. Aí sim, ele podia esquecer todas as travas que tinha colocado em seu coração, e deixar que algumas lágrimas rolassem pelo rosto.
Não, não dessa vez. Ele queria ver o filme, mas ou veria acompanhado, ou voltaria pra casa, na árdua tarefa de "escovar alguns bits", como costumam chamar o trabalho de programar. Nunca mais passaria pelo vexame de ser o "nerd feio que vai ver cinema sozinho por não conseguir companhia".
Sim, ele era feio. E nerd. 'O irmão com a beleza, ele com a inteligência', era o que a família dizia. Para todos os outros, uma dádiva. Para ele, uma maldição. De que adiantava ter um 'futuro brilhante' se as pessoas o evitavam no presente? De que adiantavam as notas boas se um simples convite para sair demandava todo um preparativo antes, para que pelo menos o 'não' doesse menos do que o esperado. De que adiantavam os elogios dos professores, frente as risadas dos supostos colegas? Ele trocaria todas as idéias explodindo na sua cabeça por metade da beleza do irmão. Todas as suas notas por um cabelo sem caspa, e que não ficasse crescendo em tufos. Toda a poesia dentro do seu peito por um pouco de ignorancia. A mesma ignorancia que fazia as mulheres pularem no pescoço do seu irmão. Mas, não. Ele não podia realizar essa troca. Era inteligente. Tinha um maldito 'futuro brilhante pela frente'.....
Mas o que mais importava agora era o presente. Um presente angustiante, onde o relógio de pulso marcava um atraso de quase 20 minutos. Ele odiava ficar parado, ainda mais esperando uma garota. A mente fervilhava, e não eram de boas idéias. Eram de lembranças. Decepções e traumas, na maior parte. Tudo aquilo pra ele tinha um gostinho de 'deja vú' que o atormentava ao máximo. Fazia-o suar aos galões, e as pernas ficavam balançando ao som da música de fundo daquele shopping. 'Já sei namorar'... ele não podia deixar de achar graça naquilo, apesar de tudo. Nunca uma garota o ensinou a namorar. Só a sofrer.
'Ok,já chega!', ele pensou, enquanto se levantava da mesa para ir pra casa. Já tinha sido humilhado o suficiente por uma noite. Voltaria para a casa, e, como sempre, não exigiria resposta nenhuma por parte dela, já que já sabia a resposta de cor. Provavelmente, ela nunca mais apareceria no ICQ, ou nem mesmo por e-mail. Ele não se importava. Ou, pelo menos, fingia não se importar. Quando terminava de arrumar a cadeira, sentiu uma mão delicada em seu ombro.
'Oi.', disse ela, com a maior naturalidade. 'Você é o IceMan, certo?'.
Era ela. Já a tinha visto em fotos, mas pela primeira vez ao vivo. Não tinha nenhum atrativo que saltasse aos olhos, mas era linda mesmo assim. Dificil explicar, mas era como ele a viu. Mas havia algo estranho em seu olhar. Uma certa tristeza. Decepção ao conhecê-lo, talvez?"
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