parte 2 ----------
A primeira sensação que ocorreu à Eric quando viu Hank como uma garota foi o receio de que aquilo também ocorresse com ele. Um medo realmente profundo... Mas, inconscientemente, o instante seguinte foi dedicado à observação atenta e silenciosa às formas, curvas e beleza daquela garota loira com cara assustada sentada no chão...
- NÃO!
- Eric?
Ele não chegou a gritar, mas foi tão enfático ao falar consigo mesmo que quebrou o silêncio que tinha se instalado naquele velho templo.
Aquela garota era um homem da última vez que Eric o viu.
- É você mesmo, Hank?
- Acho que ainda sou eu, Sheila - ele responde e faz pequenos movimentos como estivesse tentando se ajustar ao seu novo corpo. Demoraria algum tempo até se acostumar com o seu novo conjunto de movimentos, balanços e limites. - Hmm... está apertado aqui também - apalpa as laterais dos quadris com as palmas...
- Mas deve estar sobrando espaço em outro lugar, certo?
- Eric!!
O eco é seguido por mais silêncio, o que constrange à todos. Hank faz um sorriso forçado. A situação não era das mais confortáveis, mas não é da sua natureza fazer os outros se preocuparem com ele. Pelo contrário...
- Diana e Bobby estão bem?
- Diana está ótima, assim como Bobby, mas...
- Acho que vamos ter de chama-lo de Bobbi a partir de agora.
- Presto!
- Desculpe, foi sem querer, Sheila - ele se envergonha por ter pensado tão alto.
- Eu não sei direito o que aconteceu comigo e com Bobby, mas eu ainda sou HOMEM, Presto... e Bobby também! E tenho certeza de que ele também não gostaria de ser tratado como uma garota - Enquanto fala, Hank tenta se levantar, com movimentos um tanto desajeitados e acaba caindo sentado na primeira tentativa. Tenta de novo de uma só vez, e se põe em pé definitivamente - ...sou homem, por mais que seus olhos digam o contrário.
Uni faz algum barulho: Diana estava levantando...
- Ai, minha cabeça... quem?... Hank! Oh, meu... - em um movimento ela se levanta e está junto de seu amigo, curiosa, surpresa e considerando suas próprias lembranças e impressões.
- Então... (Meu...! Você é *realmente* uma garota agora!!). Hank, eu ouvi seu último comentário... e se for para sempre??
- Eu...
- Nós vamos descobrir como fazer você e meu irmão voltarem ao normal... Talvez o Mestre dos Magos...
- ...Ou o meu chapéu!
- A gente pode tentar, Presto. Mas acho que só as criadoras desta magia podem revertê-la... e elas não moram mais aqui há muito tempo...
Enquanto Diana falava, o Mágico fazia mais alguns versos improvisados, liberando energia... que alcançou e cobriu as duas novas garotas do grupo.
...
- Nada?
Hank balança a cabeça em sinal de negação:
- Tudo bem, Presto, você tentou... Estou mais preocupado com Bobby agora... e com o que o Mestre dos Magos falou...
- Vocês viram o Mestre dos Magos?
- Ele apenas disse que devemos sair desta ilha antes do pôr-do-sol, e que há um barco nos esperando naquela direção, em um velho porto. Presto, Eric... vocês poderiam ir na frente? Eu gostaria de conversar sozinha com Sheila e Hank...
- O que vocês vão conversar que a gente não pode ouvir?
- Coisas de mulher, Eric!
- Diana!
- Desculpe, Hank.
- Pena que a mágica de Presto não funcionou de novo... - Sheila.
- Na verdade funcionou... quer dizer... acho que fez um efeito - Hank enrubesce... e tenta puxar sua gola até metade do ombro, revelando uma alça branca: um sutiã.
- Seja benvindo à luta contra a gravidade!
Ele cruza os braços, mais envergonhado ainda. Diana pede desculpas pela segunda vez naquele dia ("mas são os fatos, Hank!"), e Sheila pergunta como aquilo foi acontecer. Tudo o que ocorreu é recontado, mas nem tudo é dito: Hank simplesmente desmaiou durante sua transformação e não sentiu nada, mas Diana se cala sobre sua visão.
Todas se voltam em direção à velha estátua, fonte e (quem sabe?) solução do problema.
- Bem, acho que apenas ficar observando não vai resultar em nada. O que você tem a dizer, Diana?
- Só estava curiosa... o quanto você é uma garota agora?
- Fisicamente, acho que tudo... acho... até aonde deu para notar...
Mais uma vez, Sheila sentia aquela sensação de perda de algo importante que não tinha ocorrido ainda. Olhava para aquela garota que tomou o lugar de Hank na existência, e lhe doía o coração. Estava começando a se afeiçoar por ele... quem saberia...
E lá no fundo de sua mente, um pequena voz, dela mesma, sussurrava "se era amor de verdade, nenhuma barreira a impediria. Se era só atração física... acabou!". "Não, não é só isso...!" foi sua resposta à pequena voz, mas esta retrucou: "Então, continue em frente". Sheila empalidece com as implicações.
- AAAAAAAAaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!
As garotas olham para trás assustadas: Bobby acabara de acordar, e estava com um dos braços escondendo seus pequenos peitos (apesar de já estarem ocultos com um pedaço de pano azul, provavelmente obra da mágica involuntária de Presto) e com o outro por entre as pernas, já longe da virilha naquele momento... a "falta" de algo já fora sentida.
Num impulso, Sheila o abraça dizendo "calma, calma"... "Garotos não choram", ele responde, mais para si mesmo que para sua irmã... e se esforça em se conter. Levantando o olhar, fica boquiaberto ao ver Hank.
- Você... também?
- Não foi só você Bobby, mas foram só nós dois - ele se ajoelha para falar com o Bárbaro - Acho que vai ser complicado, mas com certeza vamos resolver tudo no final.
- E eu e sua irmã, Bobby, vamos ajudar no que for preciso... - Diana pisca - e se Eric disser alguma gracinha... - ela bate sua vara na palma da mão significando "eu bato nele". Bobby faz o mesmo com seu tacape, tentando sorrir. E suspira desconsolado ao baixar os olhos e ver as mudanças em seu corpo novamente.
- É melhor irmos atrás dos garotos agora... está ficando tarde!
- Certo, Sheila, mas tenho uma última recomendação aos dois:
- Nunca tirar as camisas porquê Presto e Eric são garotos ainda!
- Sheila!
- Mas é verdade Bobby. E quando estiverem apertados, sentem-se! Não dá para vocês fazerem de pé mais.
As outras três garotas ficam extremamente vermelhas com o comentário de Diana.
Após muitos passos, primeiro subindo e finalmente descendo, Eric e Presto se mantiveram em silêncio, imersos em seus próprios pensamentos.
- E se fosse com a gente?
Eric para de andar ao ouvir o comentário.
- Eu não sei o que é pior... ser transformado em uma mulher ou em uma fera do pântano!
- Mas mulheres são bonitas...
- Este é um dos problemas, Presto, é um dos problemas...
E continuam seguindo rua abaixo, em silêncio.
Pouco mais de um quilômetro atrás, Hank, Diana, Sheila, Bobby e Uni estavam no início da subida. Hank já tinha jogado suas preocupações quanto à sua mudança de sexo momentaneamente em algum canto de sua mente para se concentrar na liderança. Será que, aparentando ser uma mulher agora, os outros aceitariam sua liderança como antes?
Bobby se cobria com a capa da irmã, numa tentativa de não lembrar os outros, nem a si mesmo, de sua transformação. Algumas mudanças eram evidentes demais para seu orgulho de garoto aceitar tão imediatamente, e a cada passo, seu corpo o relembrava de que já não era o mesmo que fora por pouco mais de dez anos. Diana o observava e tentava imaginar o que as duas novas garotas poderiam estar pensando ou sentindo. Era um exercício de imaginação, mas ela sabia que Hank era relativamente fechado e com um tipo de orgulho que não deixaria os outros se preocuparem com ele. O Ranger poderia até odiar se olhar no espelho para sempre, mas dificilmente deixaria os outros perceberem isso. Já Bobby era diferente... quando desse, ela conversaria com ele. E com sua irmã antes.
Quanto à Sheila, bem... ela foi a primeira à ver os vultos. O mais baixo dos sóis já estava sob o horizonte de água quando algo fez Uni berrar e correr para debaixo do manto que Bobby vestia. E a Ladra viu, dentro da penumbra de uma das velhas casas, um vulto sombrio, quase um contorno, que lembrava uma forma viva - era possível notar a respiração da coisa - mas que não era humano, nem um pouco. E a silhueta ficou visível por poucos segundos, sumindo antes que as outras garotas a vissem também.
Presto e Eric chegaram à um velho porto em pouco tempo, onde havia um pequeno barco, quase um bote, esperando por eles. As palavras do Mestre dos Magos sobre abandonar a ilha antes no anoitecer eram cada vez mais lembradas.
- Estou preocupado com Hank, Bobby, e as garotas.
- São todas garotas agora, Presto!
Alguns momentos de silêncio...
- Por que temos de sair desta ilha? Com certeza a cura do que aconteceu para os dois está aqui!
- Você quer correr o risco de que aconteça a mesma coisa com a gente?
- Não! De jeito nenhum!!..... mas existem maldições piores...
- Serviço doméstico. Qual maldição te transforma em forte candidato à arrumar a casa?
- É verdade, mais ou menos...
- Namoradas. Fica MUITO mais difícil você conseguir uma garota se você já é uma garota...
- Pobre Hank... (existem garotas que namoram garotas?)
- ... a não ser que você goste de beijar homens.
- Eca!
- Gravidez.
- Não vem não Eric!! Por que já ouvi falar que vocês, homens, têm certa inveja sobre isso - Diana chega, pouco mais de dez metros na frente das outras. Hank e Bobby ouvem o comentário da Acrobata, poem uma das mãos na barriga instintivamente e sentem um arrepio na espinha ao considerar esta possibilidade.
No céu vermelho-crepúsculo, o último dos sóis estava cruzando a linha do horizonte naquele momento. Sheila não estava ouvindo nada da conversa, nem estava mais tão preocupada em ter perdido um irmão e ganho uma irmã em troca. Ela estava bastante distraída procurando mais sinais do vulto que vira. A escuridão da noite avançava rapidamente. "Vamos embora logo daqui. Estou com um mal pressentimento", murmura pouco antes de levantar os olhos... e notar que apesar de não ter nuvens, uma grande região do céu estava anormalmente sem estrelas! Após alguns segundos, sua vista consegue perceber que elas estão ocultas por uma gigantesca sombra e, de terror, a Ladra dá um passo para trás. No céu, olhos vermelhos a olham como se fosse um inseto raro.
Eric já estava sentado no bote, observando Bobby colocar Uni na embarcação quando uma brisa fria apareceu e aumentava de intensidade a cada momento, agitando o mar e quase fazendo Presto cair na água enquanto tentava entrar no pequeno barco.
"Sheila, sua vez..." - Hank ainda estava tendo alguns problemas com seu o novo tom de sua voz, às vezes, meio que instintivamente, tenta falar com um tom masculino, mas suas cordas vocais não conseguiam alcançar mais aquela frequência e o som praticamente não saia, se tornava quase uma rouquidão baixinha. A voz de mulher aparecia naturalmente na segunda tentativa - e ao se virar para repetir o que não conseguira falar, ele vê Sheila inconsciente no chão.
- Venha! - Uma voz sussurrante de dentro de uma das construções ao redor do pequeno porto chama Hank. Diana, tentando despertar a amiga caída, também ouve.
- Ignore, Hank! A gente não pode perder tempo. Deve ter sido isto que tornou esta cidade deserta!!
- Eu também acho!
Uma lufada mais forte quase joga o bote contra a murada do porto e pressiona as três garotas em direção da casa que continuava a chamar "venha, venha. Venha!". De uma vez, Diana e Hank pegam e praticamente jogam Sheila no bote, e o vento aumenta em seguida! Perto da beirada do porto, a Acrobata amplia sua vara até o mar e num movimento, consegue se colocar dentro da embarcação.
Hank se levanta e o vento repentinamente para...
...retornando com mais violência e o jogando para dentro da casa!
Pequenos vultos de olhos brilhantes a tocam, e a sensação é de frio. Após alguns instantes, do lado de fora, vê-se muitas sombras fugindo das flechas de pura energia.
!
O vento para mais uma vez.
(...)
Hank se joga para fora da casa, e em seguida a antiga habitação é destruída como se esmagada e levada para cima por uma mão gigantesca e invisível. A garota corre para o porto, seus amigos no barco chamam por ele e observam impotentes a mão negra avançar e pega-la....
...mas...
...de repente...
...surge uma gigantesca figura feminina - a mesma da estátua! - transparente, brilhando em tons dourados, aparecer por cima da cidade, e toma Hank das mãos da forma negra.
- Legal! Parece um episódio de Spectreman!
Para Hank, o tempo parece parar. A causadora de sua transformação a encara aparentando estar satisfeita e logo em seguida a envolve numa luminosidade... a sensação é de brisa morna e de paz...
- O que aconteceu!
- Calma Hank, já estamos longe da ilha!
Ao longe, sinais de que estava acontecendo uma batalha.
- Será que é a primeira vez que isto acontece?
- Não sei. Mas comigo e Bobby, com certeza!
- Hank... antes de um mês tem outra coisa que pode te acontecer pela primeira vez...
Pela enésima vez no dia, Diana enrubrece a todos, exceto um: Bobby
- O que vai acontecer?
- Err... quando os meninos estiverem longe eu te explico, tá! Se bem que acho que você não tem idade...
- EU TAMBÉM SOU UM MENINO!!
- Mas está envolvido em coisas de mulher agora!
E o barco avança pela noite em direção ao poente...
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