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Assim, o assunto é velho, e sei lá que raios de música a tal da Courtney Love toca. Mas achei o texto muito instrutivo na época em que li...


Hoje quero falar de pirataria e música. O que é pirataria? É roubar o trabalho de um artista. Não estou falando de softwares como o Napster. Estou falando dos contratos com grandes gravadoras.
Quero começar com uma história sobre bandas de rock e gravadoras e fazer um pouco de matemática dos contratos entre eles.
Esta é a história de uma banda alternativa que consegue um acordo fantástico, com royalties de 20% e um adiantamento de US$ 1 milhão (nenhuma banda alternativa jamais conseguiu royalties de 20%, mas, que seja).
Está é minha matemática "engraçada", baseada em certa dose de realidade, e quero deixar claro que tenho certeza de que é uma matemática melhor do que aquela que seria oferecida por Edgar Bronfman Jr. (presidente da Seagram, proprietária da PolyGram).
O que acontece com aquele US$ 1 milhão? A banda gasta US$ 500 mil para gravar seu álbum. Com isso, ela fica com US$ 500 mil. Ela paga US$ 100 mil ao empresário, como comissão de 20%. Paga US$ 25 mil a seu advogado e o mesmo valor a seu agente.
Sobram US$ 350 mil para serem divididos entre os quatro integrantes da banda. Depois de pagarem US$ 170 mil em impostos, sobram US$ 180 mil. Divididos, dão US$ 45 mil por pessoa.
São US$ 45 mil para cada membro da banda sobreviver por um ano, até o álbum ser lançado. O disco faz grande sucesso e vende 1 milhão de cópias.
Como uma banda alternativa consegue vender 1 milhão de cópias de seu álbum de estréia é outra história, baseada nos conhecimentos que temos sobre cartéis.
Falando em termos simples, as leis antitruste deste país são uma piada. Nos protegem o suficiente para que não sejamos obrigados a mudar o nome do Serviço Nacional de Parques para Serviço Nacional de Parques Philip Morris).
Então a banda em questão lança dois singles e faz dois clipes. Os dois clipes custam US$ 1 milhão, e 50% dos custos de produção são deduzidos dos royalties da banda, que recebe US$ 200 mil para custear sua turnês, e 100% disso será deduzido do que ela ganhar.
A gravadora gasta US$ 300 mil em promoção nas rádios. É preciso pagar para que sua canção seja tocada nas rádios. Trata-se de um sistema pelo qual as gravadoras utilizam intermediários para que possam fazer de conta que não sabem que as rádios são pagas para tocar seus discos.
Todos esses custos são cobrados da banda.
Como o adiantamento original de US$ 1 milhão também é deduzível, a banda agora deve US$ 2 milhões à gravadora.
Se todos as cópias do álbum _1 milhão_ forem vendidas ao preço integral, sem descontos, a banda recebe US$ 2 milhões em royalties, já que seu royalty de 20% dá US$ 2 por disco vendido. US$ 2 milhões em royalties menos US$ 2 milhões em despesas deduzíveis da banda é igual a zero. É o que a banda ganha.
E a gravadora, quanto ganha?
A gravadora ganhou o valor bruto de US$ 11 milhões.
A manufatura dos CDs custa US$ 500 mil, e a gravadora adiantou US$ 1 milhão à banda.
Além disso, arcou com US$ 1 milhão em custos do clipe e US$ 200 mil para custear a turnê.
Ela também pagou US$ 750 mil em royalties sobre a publicação de músicas. Ela gastou US$ 2,2 milhões com marketing. A maior parte dos custos de marketing se deve à publicidade no varejo, mas o marketing também paga por aqueles cartazes enormes de Marilyn Manson na Times Square e pelos carinhas que percorrem as ruas em vans pretas, entregando às pessoas camisetas pretas ou bonés do Korn _Sem falar no dinheiro para dar gorjetas a todo o mundo.
Somando tudo, a gravadora terá gasto cerca de US$ 4,4 milhões. Portanto, seu lucro foi de US$ 6,6 milhões. Enquanto isso, a banda ganhou tanto quanto teria ganho se seus integrantes trabalhassem servindo clientes num 7-Eleven.
Eles se divertiram, é claro. Poder ouvir você mesmo no rádio, vender discos, ganhar novos fãs e aparecer na TV é muito legal, mas agora a banda está sem dinheiro para pagar o aluguel e ninguém tem crédito na praça.
O pior é que a banda não é dona de seu trabalho. Ela vai poder pagar a hipoteca para sempre, mas jamais será dona da casa. É como eu falei: ela trabalha como meeira.
Olhe para o enunciado legal num CD e você verá algo como "Copyright 1976 Atlantic Records".
Mas se você olhar num livro, verá algo como "Copyright Susan Faludi 1999". Os autores são donos de seus livros e os licenciam às editoras. Quando o contrato com a editora chega ao fim, os escritores recebem seus livros de volta. Mas as gravadoras são donas de nossos copyrights para sempre.
*
Não é pirataria quando jovens trocam música pela Internet, usando Napster, Gnutella, Freenet, iMesh ou copiando seus CDs para o acervo musical da My.MP3.com ou da MyPlay.com.
É pirataria quando os caras que administram essas empresas fazem acordos à parte com os advogados dos cartéis e donos de selos para que possam ser "amigos das gravadoras", e não dos artistas.
Sob o sistema antigo, os artistas sempre deram sua música de graça, de modo que a nova tecnologia que expõe nossa música a platéias maiores só pode ser uma coisa boa. Por que essas empresas não estão trabalhando conosco? No ano passado foram feitos 1 bilhão de downloads, mas as vendas de discos subiram. Cadê as evidências de que os downloads prejudicam a indústria das gravadoras? Os downloads estão é gerando mais demanda.
Por que as empresas de discos não estão abraçando esta grande oportunidade? Por que não estão tentando conversar com a garotada que passa adiante suas compilações de músicas para saber do que ela gosta? Por que a Riaa ("Associação da Indústria de Gravação da América") está processando as empresas que estão estimulando essa nova demanda? Para quê perseguir as pessoas que trocam MP3s de som ruim? Dinheiro! Dinheiro que elas não querem repassar para nós, os criadores de seus lucros.
*
Em algum lugar ao longo desse caminho as gravadoras concluíram que é bem mais lucrativo controlar o sistema de distribuição do que nutrir os artistas. Como as gravadoras não enfrentam nenhuma concorrência real, os artistas não tinham a quem recorrer. As empresas de discos controlavam a promoção e o marketing. Esse poder as colocou acima dos artistas e do público.
Elas são as donas do latifúndio. (Tradução:Clara Allain)


Folha de S. Paulo 26/06/2000

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