Demorou pro cheiro sair da minha garganta.
Hoje apareceu um senhor com câncer para ser atendido. Ele já tinha aparecido algumas vezes na fila preferencial, com tubo saindo de alguma bolsa amarrada no corpo e indo para a narina, de longe você percebia que ele estava muito ruim.
Hoje meu colega que atende o preferencial faltou e eu cobri o serviço dele. No geral, foi um dia sossegado e consegui cuidar de parte do meu serviço e do dele sem grandes traumas. "Caixa preferencial" é aquele destinado a grávidas, mães com crianças de colo, idosos, etc etc mais algumas empresas e alguns servicinhos extras (tipo empresas, reclamações de envelopes de auto-atendimento e por aí vai). Geralmente é o mais estressante por que você tem de expulsar da fila os engraçadinhos que tentam usar o serviço (tipo com pais com crianças NO colo, e não crianças DE colo) e ficar ouvindo gente reclamando na fila normal coisas do tipo "tão furando a fila direto!", além de ter de correr rápido por que algumas das pessoas nao aguentam ficar muito tempo na fila, apesar de pesquisas em relação à aposentadoria serem uma das operações mais demoradas no banco...
Bom, tinha nada disso quando o senhor citado lá em cima apareceu. Só sei que de perto, ele estava pior que eu imaginava: ele respirava pesado, pele amarelada, olheiras fundas, olhos doentes. Não conseguia mais falar, tive de faze-lo escrever para entender o que queria (meu colega que faltou quem conhecia o caso dele, fiquei boiando até o final). Foi uma conversa estranha, eu desesperado para atende-lo logo, parecia q ele ia se desmanchar na minha frente, e ele tentanto falar, mas nao saindo som algum da boca, e não entendendo direito a própria situação em relação à documentação necessária. Pedi auxílio para outro colega e, pela enésima vez ele deixou a agência para ir de procurar mais documentação para sacar os direitos dele :/
Mas o mais incômodo era o cheiro, que você sentia à dois metros dele. Discretamente a fila se afastou quando ele foi para meu guichê: carniça. Ele cheirava à carniça, a podre. Daqueles odores que parecem grudar lá no fundo da tua garganta e ficam por muito tempo lá, impregnado. Cheiro de gato morto. Aquele senhor estava mais pra lá que pra cá, procurando sozinho - sem parentes ou amigos, ele sempre veio sozinho - naquele estado os últimos recursos de dinheiro que tinha direito.
Só tive tempo de lavar as mãos e a cara bem depois que ele foi embora.