[capítulo anterior]

Michiko - capítulo IX

Michiko acha que talvez a Lua estivesse quase cheia na noite passada. Ela não era de ficar olhando para o céu - as nuvens e a poluição escondiam quase tudo o que era bonito no alto - mas o disco amarelão se levantando no horizonte chamou a atenção dela.

"Bom", pensou usado as mãos, "se ela está cheia, então, se o sol está aqui, a Terra tem de estar exatamente entre os dois (acho que é isso, faz tempo que tive essa matéria), então o caminho pra casa é o oposto da lua e...

- ...Ai, fudeu.

Não havia Terra. Não havia estrelas, ou Sol.

Ao seu lado havia um paredão enorme, não dava para estimar o tamanho de onde ela estava, mas, sem dúvidas, era o ser onde ela e os outros estavam.

- Grande, né? - Virhe ainda estava dentro da bolha mágica que permitia a todos respirar normalmente.

- A esfera também protege vocês da radiação e pequenos objetos em alta velocidade - notifica Coração Ígneo.

- Ah, obrigada - a garota responde, ainda pasma. Da esquerda para a direita, de baixo para cima, um enorme ser tapava o sol. Acima de tudo, muito longe, ela vislumbrava o que talvez fossem chamas - Éééé...aquilo lá, é a boca dele?

- Sim, não queira ver isso bravo. Vamos embora daqui?

- Vamos, mas.... a gente deixa esse bicho aí?

- Você acha que pode lutar contra?

Michiko olha de baixo a alto e deixa sua imaginação dançar junto com as distantes flamas saindo de uma boca tão grande quanto uma cratera de vulcão. Não, definitivamente, não dá para encarar.

- O leviatã permanecerá muitos dias aqui no alto, digerindo, depois vai para outro lugar procurar mais comida.


Ela dá uma última olhada para trás, depois de contornarem a monstruosidade e avançarem muito na direção até sua casa. A silhueta da criatura eclipsava quase todo o satélite da Terra, lembrava uma vírgula inchada e sinistra.

Algo no seu íntimo dizia que ela escolheu a solução mais fácil e talvez a mais errada.


Michiko já tinha feito viagens de busão dentro da cidade mais demoradas que essa e, quando a Terra era um enorme paredão azul à sua frente, segurou forte o cajado e tomou coragem:

- Você ia realmente... estava matando minha amiga?

- Ela não iria morrer: tenho certeza você não ia permitir que eu desacordasse seu amigo peludo e me daria a chance de fugir...

- Não é disso que estou falando. Você estava escondido no quarto dela, roubando a energia dela. Isso a mataria, né?

- Ah.... - o coala albino com asas, chifres e trocentos olhos coça a cabeça coça a cabeça por um momento - seria mais fácil assim, não acha?

- ....C-como assim?

- Você tem uma das mágicas mais poderosas que já vi e estou aqui do seu lado. Então, aproveito de alguma distração tua, como, por exemplo, você desmaiada na barriga do leviatã, e roubo tua anergia. Nunca mais precisaria me alimentar, pelos séculos dos séculos.

- A energia que estava absorvendo denunciou sua posição para nós - informa Coração Ígneo, quando começam a cruzar as primeiras nuvens - e era em valores elevados.

- Sua amiga - Virhe olha para Michiko - estava se divertindo muito com uma história, e suas emoções e histórias para mim são alimento. Não estava roubando dela, estava recolhendo para mim o que se dissiparia no ar em pouco tempo.

Ela não sabia se estava satisfeita com a resposta, mas fazia algum sentido. Logo, graças à navegação de Coração Ígneo, sobrevoaram a rua de Alice e foram para a praça da Torre de Tóquio, onde desceram.


Estava escuro e Michiko nunca imaginou que sentiria falta de sentir o chão sob seus pés. Deu até uns pisões mais fortes para acreditar que era de verdade. Meu Deus, que dia foi esse?

- Bom, - Virhe bate as mãos satisfeito - aqui termina nossa trégua. A gente se afasta e a partir de então...

- APRESAR!!

Ela o prende nos pulsos e pernas com algemas acorrentadas ao chão. Poika ainda estava apagado, protegido por uma esfera de energia menor que a anterior.

- Virhe, sem trégua - ela diz ostentando cajado e livro. Michiko era pequena, então sabia a impressão que estava dando em alguém que conseguia ser menor ainda - Trégua é coisa de guerra, e se estamos em guerra, acho melhor acabar com isso aqui e agora.

Olha em torno, estavam sozinhos. Aquele lugar não era convidativo à noite.

- Mas, você não me parece ser ruim, tenho nada contra você e não estou entendendo tudo o que aconteceu. Você promete machucar ninguém e depois conversarmos?


Voou com coração mais leve até sua casa, e com Coração Ígneo garantindo que ninguém a veria. Viu as luzes acesas na sala, estavam assistindo tevê como sempre. Talvez ela tenha feito a decisão errada acreditando nele, mas se sentia tranquila com isso. Entrou pela janela de seu quarto, se destransformou e caiu na própria cama, fazendo um barulhão.

Previsivelmente, ouve passos escada acima e logo mãe e irmã estão na porta do quarto, a encontrando sentada na cama.

- Tá melhor, Mi?

- Acho que estou sim, mãe?

- Você tá suada, mas tá sem febre...

- Passei aqui no teu quarto e você capotou, hein?


- Enquanto isso - Poika interrompe a narrativa - eu estava enterrado em baixo de um monte de cobertores?

Michiko, de pijama com estampa de gatinho e com a escova de dentes na boca, cruza os braços e responde séria:

- E queria o quê? Se não fizesse isso ontem, não ia saber explicar e hoje você ia parar na carrocinha.

Ela mexe a escova para alcançar os molares antes de continuar:

- E, depois fiz uma caminha e te escondi debaixo da cama. Deu trabalho, tá?

- É... obrigado.

- De nada - responde secamente e imediatamente se levanta.

- Onde você vai?

- Enxaguar a boca, fica aí.

"Tá no celular, Michiko?" - Poika ouve uma voz masculina vir do andar de baixo.

"To sim, pai, mas já vou deitar"

Passara toda a noite anterior inconsciente e quando acordou, se viu sozinho na casa. Até tentou se comunicar, mas foi rechaçado e, como o cansaço ainda lhe tomava, achou melhor doar mais algumas horas para o sono.

- Você tem casa? - ela volta sem a capivara perceber.

- Tenho, mas não vou voltar enquanto não capturar Virhe.

- Você não quer voltar ou não pode voltar sem ele?

- Teu mundo está em perigo, e você deixou ele escapar!!

- Fala baixo! E ele salvou a gente, não percebeu?

- Ele é o inimigo, tem de ser capturado!!

- Não, é TEU inimigo, melhor, você que é inimigo dele. Eu tenho nada a ver com isso.

- Hmpf! Você vai se arrepender.

- Não joga praga em mim! Se ela pegar, vou te levar pro banho e tosa.

- Tem monstros a solta no teu bairro, sabia? Eles vão machucar alguém!

- Banho, tosa e castração.

- To falando sério.

- Fica aí, vou pegar a tesoura.

- Michikooo! ò_ó

Ela pega um urso de pelúcia e põe na frente da Poika. É quase que do tamanho dele. Sai do quarto na ponta dos pés, mas volta logo, murmurando "de dia procuro".

- O quê?

- A tesoura, eu disse.

- Ei, tá me ameaçando?

- Também sei ser perigosa >=)

- Assim mesmo, você....

- Você já repetiu isso dez vezes. Ele não me parece ser mau, ele fugiu de onde?

- Da cela dele, oxi - a última coisa que Michiko enxerga antes dela apagar a luz e deitar-se é a mini-capivara de braço cruzados.

- E porque ele estava numa cela, Poika?

- Não posso... não sei. Se ele estava preso, é culpado. Se é culpado, tem de voltar a cela dele.

A luz é acesa sem aviso, e o pai da família vê a filha deitada com um celular na mão e uma insuspeita capivara de pelúcia jogada perto do pé da cama.

- Filha... er... desliga esse celular. Tá tarde.

- Desculpa, pai. Tava mandando um áudio pra Luana, amanhã vou encontrar ela. Boa noite!

- Boa noite.

O silêncio não é rompido, nem a confortável escuridão. Assim mesmo, sem o desgaste do dia anterior e com milhões de perguntas e suposições se avolumando, o sono demora para chegar na menina.

Tem muito mais acontecendo do que dizem para ela.

E, definitivamente, algo de errado não está certo.



[continua..?]





www.mushi-san.comfale comigo✉

Gostou do meu trabalho?